O Nascimento de uma Dívida
Essa é uma republicação de um artigo da MBF Agribusiness. antigo mas não obsoleto.
História da crise do setor sucroenergético remonta
aos tempos do Proálcool, quando segmento começou a se endividar
Um dos assuntos mais recorrentes nos últimos tempos é a crise vivida pelo setor sucroenergético. Considerado um produto “legitimamente brasileiro”, o etanol de cana-de-açúcar atraiu bilhões em investimentos nacionais e internacionais a partir de 2004 – com ápice em 2007 -, porém muitos projetos foram abortados ou nem saíram do papel por falta de planejamento e foram enterrados com a crise financeira mundial a partir do segundo semestre de 2008.
O panorama atual é de empresas fechando as portas; outras usando do requisito legal da Recuperação Judicial, previsto pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas); grupos paralisando usinas e concentrando a moagem em um número menor de unidades; demissões, não só nas usinas, mas também na indústria de base, e também no comércio e setor de serviços em cidades cuja economia dependem da cana-de-açúcar.
A pergunta no ar é “Como um setor que emprega mais de 4,5 milhões de pessoas e é responsável por 12% do Produto Interno Bruto (PIB) está nessa situação?” E, além disso, “Como e quando surgiu esse endividamento?”
Há de se convir que, mesmo com o complicado cenário que se instaurou com a bolha de crédito no mercado americano e que afetou todo o planeta, muitas empresas, de diversos segmentos, deixaram de lucrar, porém, não viram seus setores afundar, como é o caso da cadeia de produção canavieira.
Diferente do que muitos “desinformados de gabinete” afirmam, sejam pessoas do governo ou mesmo de instituições que “defendem” o setor, a história dessa crise não começa justamente nesse período. Ela é mais antiga e somente quem a vivenciou compreende cada momento de dificuldade, e tantos altos e baixos durante anos de história.

Fiat 147: primeiro modelo movido exclusivamente a álcool.
Proálcool: a história que todos conhecem – De outubro de 1973 a março de 1974, o preço do petróleo subiu 300%, naquilo que ficou conhecida como “Primeira Grande Crise do Petróleo”. As altas se deram porque a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) supervalorizou o produto como protesto ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur.
Com os altos preços do petróleo, os gastos com importações do produto quadruplicaram de um ano para o outro, o que levou o governo a buscar uma solução caseira. Nasceu assim o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em novembro de 1975. Além disso, defendia-se uma questão de segurança nacional: tendo álcool, o Brasil não dependeria mais do petróleo importado, proveniente de regiões belicosas e bastante instáveis.
Foram oferecidos vários incentivos fiscais e empréstimos bancários com juros abaixo da taxa de mercado para os produtores de cana-de-açúcar e para as indústrias automobilísticas que desenvolvessem Proálcool: a história que todos conhecem – De outubro de 1973 a março de 1974, o preço do petróleo subiu 300%, naquilo que ficou conhecida como “Primeira Grande Crise do Petróleo”.
As altas se deram porque a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) supervalorizou o produto como protesto ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur.
Com os altos preços do petróleo, os gastos com importações do produto quadruplicaram de um ano para o outro, o que levou o governo a buscar uma solução caseira. Nasceu assim o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em novembro de 1975. Além disso, defendia-se uma questão de segurança nacional: tendo álcool, o Brasil não dependeria mais do petróleo importado, proveniente de regiões belicosas e bastante instáveis.
Foram oferecidos vários incentivos fiscais e empréstimos bancários com juros abaixo da taxa de mercado para os produtores de cana-de-açúcar e para as indústrias automobilísticas que desenvolvessem desses projetos eram inviáveis, mas as direções das empresas ignoravam tal fato. O que aconteceu é que muitos deles não chegaram a moer uma única safra.
Assim, com a falência do Proálcool, devido à falta de planejamento estratégico, quem havia investido alto ficou a ver navios e, mesmo com os ganhos provenientes do açúcar, não conseguiram honrar suas dívidas. O cenário foi ainda pior para as unidades que produziam exclusivamente etanol, sendo que diversas fecharam as portas.
Nasceu assim o endividamento do setor sucroenergético brasileiro, muito antes do que alguns afirmam. O país sofreu de 1986 a 1990 com a desaceleração da economia e a incontrolável inflação. Como medida, o governo restringiu o crédito e elevou os juros.
Sem dinheiro, as usinas e destilarias deixaram de pagar impostos, de investir em expansão de lavoura, tecnologia e manutenção, o que levou a resultados ruins na área agrícola nos anos seguintes. As empresas que podiam fabricar açúcar conseguiram um pouco de fôlego, mas arrastaram a dívida por anos.
Mesmo grupos com cana própria, com custos menores de produção, não tinham um fluxo de caixa sustentável. A partir da crise de 1989, o foco das empresas passou a ser a redução do custos de produção, que deu origem a um movimento de fusão e agrupamento de empresas, o que deu sobrevida ao setor.
Mas mesmo assim, o setor continuou a se endividar, com as altas taxas de juros e dívidas de curto prazo, o que aumentava cada vez mais os saldos devedores. Em 1990 houve o início da desregulamentação do setor com a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). Essa situação gerou um conflito entre as unidades mais bem organizadas, que almejavam a liberação total do setor, e as empresas endividadas, que desejavam ser regidas por regras do governo.
Sem demanda, o etanol produzido era vendido abaixo do preço de custo e a Petrobras, que comprava esses combustível, revendia-o a preços mais altos para o consumidor final, sem pagar pelo que havia comprado, fazendo as empresas a descontarem recebíveis a taxas impraticáveis.
Esse cenário levou mais empresas a fechar as portas e a passar de mãos em troca da dívida, e novamente as lavouras foram sacrificadas, piorando o quadro nos períodos que se seguiram.

Com a falta de recursos, empresas deixaram de investir no canavial
e comprometeram safras futuras, agravando ainda mais a situação.
Quando a situação parecia querer melhorar, com a retomada dos preços causada pela falta do produto no mercado, a Petrobras que estava estocando etanol, despejou-o no mercado para aproveitar as altas.
Toda a cadeia produtiva estava em dificuldades e se ajudava mutuamente para evitar novas quebras e perdas. A dívida do setor só cresceu nesse período, porém, várias medidas foram tomadas para tentar recuperar o setor.
Em 1995, o Governo lançou a Lei 9.138/95, que autorizava a securitização da dívida para devedores até R$ 200 mil. Já em 1998 lançou o PESA (Programa Especial de Saneamento de Ativos). O PESA trazia em sua constituição regras que determinavam aos interessados no programa a compra de CTN (Certificados do Tesouro Nacional), que seriam utilizados como garantia do pagamento da dívida para as instituições financeiras.
As unidades produtoras que comprovaram seu endividamento com investimentos “adequados” na produção rural, teriam direito a comprar CTN no montante de 10,437% do saldo da dívida. A compra deveria ser feita à vista, ou financiada pelas instituições financeiras. O dinheiro da compra, logicamente, iria para o Governo Federal.
Os títulos dados em garantia para as instituições financeiras renderiam IGP-M + 12% ao ano. A dívida teria juros de 8% ao ano, 9% para valores acima de R$ 500 mil e 10% para valores acima de R$ 1 milhão. O prazo de pagamento da dívida e resgate dos títulos do Governo era para 20 anos.
Várias pequenas mudanças foram instituídas no caminho, chegando a reduzir os juros para 3% ao ano. Porém, os ativos eram um dos principais focos dos bancos, que exigiram garantias melhores e assim, deixaram alguns produtores em situação pior no decorrer dos anos devido a continuidade de crises.
Muitos acordos realizados deixaram às empresas ainda mais amarradas aos bancos, gerando descrédito em parte do programa, pois não conseguiram honrar os compromissos assumidos. No final dos 20 anos, o resgate dos títulos do Governo (CTN) pagaria todo o principal da dívida atualizada.
Aos devedores, bastava pagar anualmente os juros da dívida, que chegou a 3% ao ano. O PESA trouxe fôlego, mas não foi a resolução definitiva.
O Novo Proálcool – Em 2003, mais uma grande novidade deu início a um boom de investimentos no setor de etanol: o carro flexfuel. Movido a gasolina e a etanol, o modelo permitiu ao consumidor escolher o que fosse melhor ao seu bolso.
Além disso, a consciência ambiental fez com que o governo passasse a incentivar grandemente essa nova tecnologia e o etanol, mais limpo que a gasolina. Os consumidores logo aderiram ao carro flex e ao biocombustível de cana.
Além de etanol e açúcar, novos subprodutos de cana foram surgindo: energia elétrica, plástico, enzimas e etc. O setor recebeu grandes aportes de investimento nacional e internacional.
Tal como na época do Proálcool, muita gente que não entendia do negócio quis entrar e, os que já faziam parte dessa cadeia, expandiram suas unidades e fizeram aportes de capital pesado, usando crédito, que era oferecido por várias instituições financeiras.
Essa nova onda de investimentos e a super oferta de crédito fizeram com que os custos subissem e trouxe novas exigências, como a questão da mão de obra especializada, a valorização da terra, de equipamentos, suprimentos e da matéria-prima, entre outros.
E o que se viu a partir do terceiro trimestre de 2008 foi um “deja-vú” do final do Proálcool: com o crédito bloqueado, saída de investidores, falta de incentivo ao etanol por parte do governo, usinas e destilarias tiveram que novamente lutar para sobreviver as suas contas Outros fatores como o clima, preços baixos dos produtos finais e políticas governamentais de controle do preço da gasolina, ajudaram a empurrar novamente o setor para o fundo do poço.
Mais de 60 unidades entraram em Recuperação Judicial nos últimos anos, muitos empregos foram perdidos e o setor está as minguas. Já diz um velho ditado “Que não conhece a História está obrigado a revive-la”. Até quando o setor vai ser um mau aluno de sua própria lição?
Publicação Original Sexta-feira, 16 de maio de 2014.
Momento Visionário
‘Se quiser viver uma vida feliz, amarre-se a uma meta, não às pessoas nem às coisas.
Albert Einstein

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